O corona vírus está entre os brasileiros há mais de um ano, mais precisamente um ano e 4 meses, já que o primeiro caso foi diagnosticado no final de fevereiro de 2020, mas ainda faltam esclarecimentos aos trabalhadores e segurados acerca das consequências trabalhistas e previdenciárias; quando a Covid-19 é considerada doença ocupacional, equiparada a acidente do trabalho?
- Doença profissional equiparada à acidente do trabalho
Conforme o disposto no art. 20 da Lei nº 8.213/91, equipara-se à acidente do trabalho a doença profissional e a doença do trabalho, assim entendidas, respectivamente, a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, e a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e que com ele se relacione diretamente.
Ainda, § 1º do mencionado artigo estabelece que “não são consideradas como doença do trabalho: … d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”
Não obstante a norma referir a “natureza do trabalho”, o § 2º do mesmo artigo abre espaço para admitir-se a doença de trabalho para além dessas hipóteses, ao possibilitar o enquadramento quando constatado que a moléstia “resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente.”
Além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) ao suspender a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020, que havia estabelecido que o coronavírus não é doença ocupacional, exceto mediante comprovação do nexo causal, inverteu a presunção, portanto, nas atividades laborais executadas em que o risco é maior de contaminação resta presumido que o coronavírus é doença ocupacional, restando ao empregador a prova em contrário.
Portanto, se as atividades são desenvolvidas em estabelecimentos que potencializam o risco de contágio, o nexo causal é presumido, ou seja, presume-se que a Covid-19 foi desencadeada no ambiente de trabalho.
Assim, aos trabalhadores/segurados que desenvolvam atividade em estabelecimentos que potencializam o risco de contágio, a Covid-19 é presumidamente doença ocupacional.
- Isenção de carência para concessão dos benefícios por incapacidade
O trabalhador/segurado acometido da doença e que restar incapaz, terá direito aos benefícios por incapacidade, independente de carência.
Importante observar que a regra geral à concessão de benefício por incapacidade temporária ou definitiva depende do implemento de 12 contribuições mensais (art. 25 da Lei de Benefícios).
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;
Entretanto, quando a doença for ocupacional a concessão dos benefícios por incapacidade independe de carência nos termos do art. 26, em seu inciso II:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;
- Benefício por incapacidade temporária acidentário / B-91
O segurado/trabalhador acometido de covid-19 que restar incapaz temporariamente terá direito ao benefício por incapacidade temporária acidentário, B-91.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
- Estabilidade provisória
Ao retornar ao trabalho o segurado/empregado terá direito à estabilidade provisória, nos termos do artigo 118 da Lei 8.213/91
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região já decidiu nesse sentido:
“Em princípio, o ônus probatório quanto ao nexo causal no caso incumbiria ao reclamante; entretanto, a peculiaridade do caso concreto enseja que seja relativizado o encargo processual. É que, como é de notório conhecimento, o trabalho em frigoríficos tem sido identificado como local de significativa incidência de contaminação da Covid-19. As atividades desenvolvidas nesses estabelecimentos potencializam o risco de contágio diante do grande número de empregados trabalhando próximos uns aos outros em locais fechados, úmidos e artificialmente climatizados; os empregados também costumam ser transportados por veículos fornecidos pela empresa e a aglomeração no início e término da jornada são frequentes.
[…]
Diante das condições específicas de trabalho, reconheço haver presunção de nexo causal da exposição do autor a acentuado risco de contágio.
[…]
Em que pese se ter presente que a garantia expressa no art. 118 da Lei nº 8.213/91 (“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”) tem, como requisito formal, a percepção de auxílio-doença acidentário, entende-se que a estabilidade não está limitada somente a essa hipótese. Nesse sentido, é o entendimento desta Relatora e em consonância com a jurisprudência consubstanciada no item II da Súmula nº 378 do TST:
“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS. […] II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”
(Grifei)”
- Auxílio-acidente
Outro ponto fundamental observar que o segurado/trabalhador que restar com sequelas da Covid-19, terá direito à auxílio-acidente, que é devido ao segurado que ficou com redução parcial e definitiva da capacidade laboral após a consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, previsto no artigo 86 da Lei 8.213/91.
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
O valor do benefício é de 50% do salário-de-benefício, conforme artigo 86, § 1º da Lei 8.213/91.
- Benefício de incapacidade permanente
O segurado/trabalhador terá direito ao benefício de incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), B-92, se incapaz definitivamente, com RMI (Renda Mensal Inicial) de 100%.
Após a EC nº 103/2019, a Reforma da Previdência, foi alterado o coeficiente de cálculo da aposentadoria por invalidez previdenciária, mas NÃO o coeficiente da aposentadoria por invalidez acidentária e nem do auxílio-doença acidentário.
Nesse contexto, o cálculo da aposentadoria por invalidez previdenciária segue a seguinte sistemática a partir da Reforma: média aritmética simples de 100% dos salários de contribuição no PBC (Período Básico de Cálculo) desde 07/1994, sobre essa média, aplica-se o coeficiente de 60% (sessenta por cento) da média do salário de benefício + 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 (vinte) anos de contribuição para os homens e 15 (quinze) anos para as mulheres.
Já a aposentadoria por invalidez acidentária (B/92) permaneceu com a mesma sistemática de cálculo anterior à reforma da previdência, qual seja, art. 26, § 3º, II da EC 103/2019, renda mensal inicial de 100% do salário de benefício.
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
- 1º A média a que se refere o caput será limitada ao valor máximo do salário de contribuição do Regime Geral de Previdência Social para os segurados desse regime e para o servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção correspondente, nos termos do disposto nos§§ 14 a 16do art. 40 da Constituição Federal.
[…]
- 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:
[…]
II – no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.
- Pensão por morte
Por fim, os dependentes do segurado/trabalhador que vier a óbito em razão da Covid-19 terão direito ao benefício de pensão por morte, calculado na forma estabelecida no Art. 23 da EC 103, equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). Portanto, se o segurado ainda não estivesse aposentado, as quotas incidiriam sobre o valor do benefício por incapacidade permanente acidentário 100% do SB (Salário de Benefício) e não 60% (sessenta por cento) da média do salário de benefício + 2% para cada ano de contribuição.
Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
- 1º As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e não serão reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% (cem por cento) da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente for igual ou superior a 5 (cinco).
Assim, várias são as nuances a serem consideradas sendo a Covid-19 doença ocupacional, equipara a acidente do trabalho.
Fonte: Jusbrasil Texto escrito por: Juliana Turchiello Callegaro – OAB/RS 61.327 – Advogada, especialista em Direito Previdenciário – julianacallegaro@hotmail.com